sexta-feira, 23 de março de 2007

Naim

Naim caiu quase que glacial, gemeu pouco e agudo. O sangue aceso de Naim sobre o meu tapete arroxeado, repleto de desenhos à maneira dos persas. Deus, ficamos todos loucos!

- Amélia!

Abri logo a camisa de Naim. Os meus cabelos roçavam naquele peito morto. A pele ainda mostrava aquele viço acobreado. Vontade de despi-lo todo e deitar-me em cima, trazer Naim de volta...

Eu não sou cristã. Ouçam bem, que tenho algo a dizer. Sempre gostei de ver os grilos cantando alto, com aqueles galopes vorazes. Não é só amor que tenho por Amélia, pois podem ter certeza que não estaríamos juntas se fosse só amor calmo, que descansa à noite. Por Naim também.

Naim morto inclina-me toda para ele, mas também adoro Amélia. Quem diria, penso e puxo forte os cabelos de Naim, desço as mãos. Com o bico do dedo toco a clavícula – ossos fortes. Nunca mais terei aqueles olhos que ele fazia, fechando agitado, quando eu chupava aquele pau atrevido. Nunca mais. Meu rosto enrubesce todo quando penso no que é Naim morto.

- Valéria, você me obrigou. Desculpa, você me obrigou... Que depravada é você!

O rosto de Amélia também está vermelho. Será que ela quer também atirar em mim?

Queria que Naim acordasse, que levantasse como se a morte só fosse um sono, um cochilo. Eu iria ficar de joelhos na frente dele e sugar aquele cajado até que esporrasse em todo o meu tapete, rosando-o.

Senti um ódio enorme de Amélia, com aquela saia se arrastando pela sala. Minha mulher com aquela arma tão exata, tão certa do que fez. Ela balançava a cabeça e me olhava com repugnância.

- Era só um menino, Amélia!

- Você fodia com o meu sobrinho! Tem idéia? O meu sobrinho, o menino do mato, das vacas. Não tem vergonha na cara? Com um menino.

- Olha o seu crime...

Eu a deixei ver Naim. Ela foi andando - aquela odiosa saia!

- Vê?

Ela tinha os cabelos claros e lissísimos.

- O que a gente faz agora?

Amélia não esperou resposta, foi-se para a cozinha.

Eu não gosto de homens, só de Naim. Na verdade, nunca o vi como homem, mas sim como o menino que era, daqueles que ejaculam rápido, daqueles que ainda não sabem meter. Ele tinha toda uma ignorância que me encantava, um frescor, e uma parvoíce que nunca vi aqui na cidade.

O corpo de Naim, como era tenro! Começo a rir, ainda bem que Amélia está longe. Imagine que ele se depilava todo para mim! Eu pedia e ele fazia, ele era todo flexível.

Arranquei a camisa. Meu Naim! Eu começo a abraçá-lo. Tanto sangue, meu Deus! Quando eu tinha dezesseis anos fiz um corte nos pulsos, não sangrei tanto como Naim. Corri com desespero para a Inara que era uma mulata velha, e ela dizia: “Menina, o que fez? Menina pra que isso? Que desgosto sua mãe vai sentir!” . O pronto socorro era pertinho de casa. Eu sempre morei na cidade.

Fiquei com ele por horas, com a minha boca manchada daquele sangue, eu adormeci com o corpo já duro de Naim.

A campainha tocando. Acordo. Não, não posso atender. Um corpo na minha sala, no tapete e a luz toda acessa. Como vou abrir a porta? Quem será?

- É pra mim, Valéria.

Ela abriu a porta elegantemente. Alguns homens entraram, todos surdos, não queriam conversa. Eles levaram Amélia.

- Eu liguei pra a polícia, amor. Estou me entregando. Daria muito trabalho esconder tudo isso. Minha cabeça já estava doendo terrivelmente.

Passei as minhas mãos com sangue sobre a saia de Amélia, depois no rosto. Ela saiu silenciosa enquanto outros homens olhavam para o corpo.

- Naim morreu bonito.

E eles me olharam mudos.

quarta-feira, 21 de março de 2007

A inocência não existe

Com Lígia, de forma intensa e pela primeira vez, o mundo me pareceu um labirinto. Isso ela fez por mim, com aqueles sorrisos cretinos me obrigou a sentir o mundo na carne.
A voz de Lígia batia nas paredes. Ela vem, passa na sala e dedilha o piano, aprendeu a tocar comigo. veio passar as féria comigo, tanta coisa pra dizer, eu aprendi a dirigir, ela não sabe, eu vou ensinar também. minha priminha.
ela apareceu na porta meio timida, se escondendo no batente. eu rio e ela vem inteira. - Olha, um livro pra você, eu gosto muito sabe? e do Giffoni.
- É quem ele?
- um escritor. mineiro, como eu.
- Eu li suas coisas, é muita violência.
- É tudo estória de cadeia, muita safadeza minha, mas eu utilizo as estórias que o namorado da minha irmã conta lá em casa.
- Me falaram que ele não presta aqui em casa.
- Não deve ser boa coisa, mas é simpático, certa feita ele contou que a irmã dele, apareceu na sala com mala na mão dizendo: - Eu vou morar na zona, pai. e o pai dele disse: - Está bem minha filha, obrigada pela sinceridade. é uma gente que aceita tudo sabe? filha puta, filho policial Civil. Muito permissivos. Adoro.
- Eu tirei carta de motorista e tenho um amor.
- Como é Rogéria? Porque essas coisas legais só vêm pra você, é como o amor?
- O nome é Reginona, é uma negona enorme, roxa de tão preta.
- Mentirosa, você não tem culhão pra fazer isso, você é medrosa.
- Ela não é assim, mas é ela.
Era assim mesmo, as conversas eram bobas e boas, sim, senhores. Era também meu;

Aniversário
Parabéns, viva a Rogéria, 20 anos
Droga me sinto velha, cochicho pra Ligia
"Olha, Na janela é a Rogéria a velha mais caquética....". Ela grita
Senso de humor idiota
"Vem, Lígia, vamos ali no quintal, a gente deita lá e fica vendo o céu."
"Que nem quando éramos crianças..."
"Que nem... você ainda é criança, 17 anos é um bebê."
Aí então a grama molhada, gelava as costas, era bom fumar ali, ela pediu um.
"Aposto que você vai passar mal, Li"
"Me dá um e eu mostro pra você, fumo ele de uma vez, e ainda jogo a fumaça na sua cara"
Ela Tossindo pra morte
"Olha aí, você nem sabe tragar. Tem que ser como se você tivesse namorando saca? se ele fosse um homem lindo e ele te desse o beijo com o máximo de tesão que você pode imaginar, aí você retribui.
"Você lembra quando eu te vi?"
"Não..."
"Lembra, com o Álvaro, lá perto do rio...
"Tá já lembrei..... cala a boca"
"É bom lembrar, me dá emoção, lembrar de ter te visto com ele.
"Isso chama voyerismo....
"O que chama isso?
"Gostar de ver os outros, isso que você sente, é Voyerismo. Fina você, não?
Lígia de repente não queria mais ficar na grama, ela foi dormir na cama, eu não queria ir ainda. Na verdade, não queria ir nunca.
Abri a porta do quarto devagar, Lígia já na cama, nua, senhores, ela está nua, os seios arfando na cama dela, ela tinha uma cama em minha casa. Incrível.
"Como está sua mãe Li?"

Sobressalto:
"Desculpe, estava perdida pensando em coisas, não te escutei."
"Perguntei, se sua mãe, está melhor da doença? disseram que ela está muito magra, triste, falando em morte até..."
"Ela anda pela casa a noite toda, vai na cozinha beber água e geme, até meu quarto, geme e reclama da dor, estivemos pensando em comprar morfina pra ela, sabe? De manhazinha ela se deita na rede e os gemidos recomeçam. Me perturba. Por isso também eu vim pra Gravatal, pra ficar longe daquele ambiente infecto.
"Isso me soa egoísta sabe, mas por egoísmo, eu queria que você tivesse vindo só pela minha companhia.
durmo com essa imagem, um corpo sendo comido vivo: Câncer. Câncer, porra, não custava tratar, mulher mais intransigente nesse mundo era a minha tia.

O galo
Todo mundo já na mesa me esperando, Ligia, Éstefano, mamãe e Ivan;
"Olha eu fiz pão de queijo, eu acordei antes do galo pra fazer." Ligia
"To com medo de comer..." Éstefano
"Mentira que ela fez, ela foi é comprar na padaria." Deboche do Ivan
"Mas é como se tivesse feito, pra mim tá bom" Eu, e sorrio olhando firme a cara gorducha do Estefáno.
Tenho que convece-lo a emprestar o carro. Sugiro o assunto, ele não responde, minha mãe finge que não está na mesa. Insisto. Ele continua comendo.
Aí eu falo "Posso Estefáno?" Ele incha mais e enrubrece de ódio; começa a gritar
"Como você tem a cara de me pedir isso, puta louca? Tu arrebenta teu carro com aquela imbecil não faz semanas e ainda quer que eu deixe que tu rele a mão no meu?
Ele só dizia isso, vária e várias vezes, se eu respondesse era bem capaz de ele me surrar ali mesmo.

O Éstefano
Um homem que não me deixa a alma, aporrinha minha paz, senhores,o Estefáno das varas, dos chinelos e das paneladas.
Estéfano feio, da furia injustificável. O Estéfano de mamãe, o que não queria minha felicidade.
Morro de revolta, sozinha no quarto, olhos fechados com força, cabeça fazendo zum-zum.

Súbito
Ligia com sorriso mais careta da terra, aspirina e copo com água na mão.
"Você tá é muito velha pra ficar se irritando com seu padrasto assim, isso é coisa de menina de 15 anos, sabe?"
Ligia não entendendo nada,comprimidos arranhando a garganta.
"Estéfano diz que você é desse jeito por cuasa do piano, que isso é coisa de cabaré e não presta"
Me feriu de morte, boca seca, queria gritar - eu sempre prestei. que é pra ela não acreditar nele, boca queimando, não dá pra falar, água inútil.
Ligia inquieta e

Acesa
O sol batendo no espelho e esquentando meus pés.
"Droga Rogéria, eu quero sair."
ficamos o dia todo batendo gazeta na rua, como moleques. Na porta da igreja pra ouvir estória dos mendigos e no mercado pra comer grãos de graça.
Ligia jogando garrafas na parede pra ouvir o barulho do estilhaço.
"Era bom você arrumar um novo modo de gastar sua energia."
"você sabe mesmo dirigir? me ensina?"
"Não tem como, não tem carro."
Ligia quer roubar o carro do Estéfano, não, senhores, eu nunca pensei em fazer isso. Mas estéfano era um deslocado do inferno que bem merecia esse desrespeito.
Uma vez me contaram que ele tinha briagado com meu pai no bar, havia arrebentado uma cadeira nele, mesmo sabendo que ele era doente. dias depois meu pai morreu, acharam o corpo dele esfaqueado perto do lado. Vaeui ver foi até o Estéfano.
"Que horas ele dorme?"
"Por volta de

23 horas"
A sirene e as luzes atrás de nós, e a voz estrangulada "Por que maldição você tem que correr tanto Ligia?" .Deus faz ela parar.
"porque maldição você tem que correr tanto Ligia?" Deus faz ela parar.
"Pra onde nos vamos rogéria? se eu parae vamos ser presas, voce quer ser bonequinha na prisão?"
"Ai, não. te joga aqui nessa rua, vai dar num estrada enorme.
Ligia não sabe virar, quase dando direto no poste, subo pelo colo dela e agarro o volante.
"Tira o pé desse acelerador droga, não dá pra controlar assim.
nós tão juntas, não vendo os avisos de estrada em obras acabamos enfiando o carro em um buraco. agora não tem mais jeito, vamos ter que conversar com o

delegado
que conhecia todo mundo, a mim e ao Estéfano;
trêmulas eu e ela.
E o homem lá, sentado e nervoso "Eu exijo, mando que vocês digam porque fugiram quando mandamos parar."
"Além de tudo essa daqui é menor" Soldado apontando para Ligia.
"Então isso é problema pro Juizado, mas olha, quer saber? bota as bonecas na chave essa noite mesmo, não vou resolver porra nenhuma hoje. Amnhã de manhã eu ligo para o padrasto dessa Rogéria."
eu curiosa, assustada.
"Vem cá,Ligia, você tá com medo?."
ela chora, as bochechas vermelhas, é claro que ela está com medo
vem cá que eu cuido de você e nós deitamos juntas na esteira imunda. Na boca, um silêncio gelado.
até de manhã, quando nos pegam na cela e metem numa sala quase vazia e ficamos esperando qualquer coisa acontecer, num banco de aço comendo um pão horrivel.

Estéfano chegou batendo os pés, espalmar a mão na minha cara - primeira providência
bater nas mesas e Xingar a delegacia inteira, até liberarem Ligia também.
e caso encerrado.
Ligia canta em todo o trajeto de volta, Éstefano vai guardando a irritação até chegar na

casa
Ele abriu a porta do carro "SAI"
"Eu te odeio"
ele riu debochado
"Não interessa,tu roubou; e agora vai pagar."
Ele agarrou meu braço puxando pra fora do carro, sacudindo diante de si, meteu a mão entre meus cabelos e saiu arrastando.
Enquanto ele enfiava o joelho na minha barriga eu sentia o o velho ódio remexer.
"Você vê, que foi só essa garota vir pra cá, não faz três dias, olha a desgraça q ue essa puta me arruma."
e foi com lágrimas nos olhos que eu olhei pra ele e senti um molhado nos pés.
Estéfano cai devagar, com uma chave de fenda encravada na nuca.
"Deus meu"
"Eu não sou puta"
eu proucuro desesperada entender qualquer coisa
cá, pra mim, me abraça.
ela suja as mãos num sangue gelado e aperta as minhas
"E ele nem gemeu."
e ela vem pra me abraçar, pra ser só minha.

sábado, 17 de março de 2007

Gravuras Incestuosas

I
Os seus olhos ávidos
Pousam com todo receio -
Ah, parva moral!

II
Luz de pirilampos
Em nossa pele eriçada -
Deitadas na grama.

15 de março de 2007

Marieta sob a luz medonha


Assentou-se longe das lamparinas e passou a gemer por lá mesmo. Os jornais sujavam ligeiramente sua saia rosada, da comida que Britinho havia mendigado por lá. Sentia-se suja, na verdade, até de alma. Como já não havia resgate, deixara a saia sujar, como mostra de orgulho falacioso pela imundície.

O pranto ora fazia-se doce. Era o sono que quase já a tomava — chegava lento, confortável e quase que socorria. Dormiria por lá? Talvez devesse arranjar novos jornais. Marieta enxugou o pranto, ergueu o rosto esgrouviado quase que de forma atrevida. Levantou-se e foi-se a buscar novos jornais.

Passou pelo irmão Britinho, que deitado ao chão nu, erguia as pernas ao alto e batia os pés sobre a parede. Lembrou-se da banca da Avenida das Luzes — próxima ao beco, que, propositalmente, era bem iluminada — lá poderia arranjar jornais limpos. Dormiria quase que confortável, porque queria mesmo era arranjar um colchão velho e uns trapos, e dormir feito dorme sua irmãzinha e a velha. Marieta já se conformara de que não podia ser cobiçosa.

Ajeitou as folhas num canto do beco, onde a umidade não pudesse tomá-la tanto... Estava perto da irmã e da velha. Cobria-se desajeitada, talvez por causa do vento. Sentia-se incomodada com os barulhos de Britinho: esses eram mais incômodos do que os que se faziam na Avenida das Luzes — desordem de bêbados, de buzinas e festas de gente privilegiada. Os barulhos de Britinho eram de felicidade excêntrica, conformista, infundada.

Um sopro de revolta atrapalhava o seu sono.

Mas, fechou os olhos com muita força. Agora queria realmente dormir! Não lhe podiam tirar o sono, já que era este uma alegria de todas as noites. Marieta sempre aguardava ansiosa a hora do sono; nunca tivera pesadelos... quando dormia deparava-se com um mundo afável!

O corpo incomodava... Seu corpo era objeto de asco, de desejos violentos, de cobiças rejeitáveis. O corpo de Marieta não a pertencia, era de qualquer um — principalmente. Dor, dor, agonia quase que interminável... Marieta queria chorar, mas virou-se, desistindo da idéia por considerá-la covarde. Era provável que conseguiria resistir.

E parecia mesmo que o martírio a perseguia. Talvez não devesse dormir, talvez fosse um aviso de Deus — pensou, no desespero. Um besouro decorria ligeiramente a perna nua de Marieta... Olhava para a irmã: essa sim era feliz! Nascera há alguns meses, não sabia contar, pois o tempo lhe passava despercebido, estava a viver, somente. Mas queria, que nem a irmã, ter o afago da mãe, poder dormir no colo, descansar lá a cabeça pesada, suja...

“Velha filha-da-puta; eu queria tanto...” — e os olhos de Marieta delicados, mas sofridos, lagrimejavam um pedido de humildade mesclada com ódio. Fechou-os, empurrando o besouro para a esquerda.

Ao nascer do sol todo o beco já era tomado por agitações: carroças que estreitamente eram empurradas, bêbados amanhecidos, crianças esfaimadas e berrantes. Marieta acordou com a fumaça do fumo da velha, perturbando a cara e levando-a com forças à realidade. Levantou-se, alongou-se, mas não tinha tempo para tolices, para vaidades... Foi-se logo para o ponto principal da Avenida das Luzes.


Obs। : Texto um tanto antigo, que publiquei no site: http://www.releituras.com/ne_akfcorrea_marieta.asp . Algumas modificações foram feitas.