quarta-feira, 21 de março de 2007

A inocência não existe

Com Lígia, de forma intensa e pela primeira vez, o mundo me pareceu um labirinto. Isso ela fez por mim, com aqueles sorrisos cretinos me obrigou a sentir o mundo na carne.
A voz de Lígia batia nas paredes. Ela vem, passa na sala e dedilha o piano, aprendeu a tocar comigo. veio passar as féria comigo, tanta coisa pra dizer, eu aprendi a dirigir, ela não sabe, eu vou ensinar também. minha priminha.
ela apareceu na porta meio timida, se escondendo no batente. eu rio e ela vem inteira. - Olha, um livro pra você, eu gosto muito sabe? e do Giffoni.
- É quem ele?
- um escritor. mineiro, como eu.
- Eu li suas coisas, é muita violência.
- É tudo estória de cadeia, muita safadeza minha, mas eu utilizo as estórias que o namorado da minha irmã conta lá em casa.
- Me falaram que ele não presta aqui em casa.
- Não deve ser boa coisa, mas é simpático, certa feita ele contou que a irmã dele, apareceu na sala com mala na mão dizendo: - Eu vou morar na zona, pai. e o pai dele disse: - Está bem minha filha, obrigada pela sinceridade. é uma gente que aceita tudo sabe? filha puta, filho policial Civil. Muito permissivos. Adoro.
- Eu tirei carta de motorista e tenho um amor.
- Como é Rogéria? Porque essas coisas legais só vêm pra você, é como o amor?
- O nome é Reginona, é uma negona enorme, roxa de tão preta.
- Mentirosa, você não tem culhão pra fazer isso, você é medrosa.
- Ela não é assim, mas é ela.
Era assim mesmo, as conversas eram bobas e boas, sim, senhores. Era também meu;

Aniversário
Parabéns, viva a Rogéria, 20 anos
Droga me sinto velha, cochicho pra Ligia
"Olha, Na janela é a Rogéria a velha mais caquética....". Ela grita
Senso de humor idiota
"Vem, Lígia, vamos ali no quintal, a gente deita lá e fica vendo o céu."
"Que nem quando éramos crianças..."
"Que nem... você ainda é criança, 17 anos é um bebê."
Aí então a grama molhada, gelava as costas, era bom fumar ali, ela pediu um.
"Aposto que você vai passar mal, Li"
"Me dá um e eu mostro pra você, fumo ele de uma vez, e ainda jogo a fumaça na sua cara"
Ela Tossindo pra morte
"Olha aí, você nem sabe tragar. Tem que ser como se você tivesse namorando saca? se ele fosse um homem lindo e ele te desse o beijo com o máximo de tesão que você pode imaginar, aí você retribui.
"Você lembra quando eu te vi?"
"Não..."
"Lembra, com o Álvaro, lá perto do rio...
"Tá já lembrei..... cala a boca"
"É bom lembrar, me dá emoção, lembrar de ter te visto com ele.
"Isso chama voyerismo....
"O que chama isso?
"Gostar de ver os outros, isso que você sente, é Voyerismo. Fina você, não?
Lígia de repente não queria mais ficar na grama, ela foi dormir na cama, eu não queria ir ainda. Na verdade, não queria ir nunca.
Abri a porta do quarto devagar, Lígia já na cama, nua, senhores, ela está nua, os seios arfando na cama dela, ela tinha uma cama em minha casa. Incrível.
"Como está sua mãe Li?"

Sobressalto:
"Desculpe, estava perdida pensando em coisas, não te escutei."
"Perguntei, se sua mãe, está melhor da doença? disseram que ela está muito magra, triste, falando em morte até..."
"Ela anda pela casa a noite toda, vai na cozinha beber água e geme, até meu quarto, geme e reclama da dor, estivemos pensando em comprar morfina pra ela, sabe? De manhazinha ela se deita na rede e os gemidos recomeçam. Me perturba. Por isso também eu vim pra Gravatal, pra ficar longe daquele ambiente infecto.
"Isso me soa egoísta sabe, mas por egoísmo, eu queria que você tivesse vindo só pela minha companhia.
durmo com essa imagem, um corpo sendo comido vivo: Câncer. Câncer, porra, não custava tratar, mulher mais intransigente nesse mundo era a minha tia.

O galo
Todo mundo já na mesa me esperando, Ligia, Éstefano, mamãe e Ivan;
"Olha eu fiz pão de queijo, eu acordei antes do galo pra fazer." Ligia
"To com medo de comer..." Éstefano
"Mentira que ela fez, ela foi é comprar na padaria." Deboche do Ivan
"Mas é como se tivesse feito, pra mim tá bom" Eu, e sorrio olhando firme a cara gorducha do Estefáno.
Tenho que convece-lo a emprestar o carro. Sugiro o assunto, ele não responde, minha mãe finge que não está na mesa. Insisto. Ele continua comendo.
Aí eu falo "Posso Estefáno?" Ele incha mais e enrubrece de ódio; começa a gritar
"Como você tem a cara de me pedir isso, puta louca? Tu arrebenta teu carro com aquela imbecil não faz semanas e ainda quer que eu deixe que tu rele a mão no meu?
Ele só dizia isso, vária e várias vezes, se eu respondesse era bem capaz de ele me surrar ali mesmo.

O Éstefano
Um homem que não me deixa a alma, aporrinha minha paz, senhores,o Estefáno das varas, dos chinelos e das paneladas.
Estéfano feio, da furia injustificável. O Estéfano de mamãe, o que não queria minha felicidade.
Morro de revolta, sozinha no quarto, olhos fechados com força, cabeça fazendo zum-zum.

Súbito
Ligia com sorriso mais careta da terra, aspirina e copo com água na mão.
"Você tá é muito velha pra ficar se irritando com seu padrasto assim, isso é coisa de menina de 15 anos, sabe?"
Ligia não entendendo nada,comprimidos arranhando a garganta.
"Estéfano diz que você é desse jeito por cuasa do piano, que isso é coisa de cabaré e não presta"
Me feriu de morte, boca seca, queria gritar - eu sempre prestei. que é pra ela não acreditar nele, boca queimando, não dá pra falar, água inútil.
Ligia inquieta e

Acesa
O sol batendo no espelho e esquentando meus pés.
"Droga Rogéria, eu quero sair."
ficamos o dia todo batendo gazeta na rua, como moleques. Na porta da igreja pra ouvir estória dos mendigos e no mercado pra comer grãos de graça.
Ligia jogando garrafas na parede pra ouvir o barulho do estilhaço.
"Era bom você arrumar um novo modo de gastar sua energia."
"você sabe mesmo dirigir? me ensina?"
"Não tem como, não tem carro."
Ligia quer roubar o carro do Estéfano, não, senhores, eu nunca pensei em fazer isso. Mas estéfano era um deslocado do inferno que bem merecia esse desrespeito.
Uma vez me contaram que ele tinha briagado com meu pai no bar, havia arrebentado uma cadeira nele, mesmo sabendo que ele era doente. dias depois meu pai morreu, acharam o corpo dele esfaqueado perto do lado. Vaeui ver foi até o Estéfano.
"Que horas ele dorme?"
"Por volta de

23 horas"
A sirene e as luzes atrás de nós, e a voz estrangulada "Por que maldição você tem que correr tanto Ligia?" .Deus faz ela parar.
"porque maldição você tem que correr tanto Ligia?" Deus faz ela parar.
"Pra onde nos vamos rogéria? se eu parae vamos ser presas, voce quer ser bonequinha na prisão?"
"Ai, não. te joga aqui nessa rua, vai dar num estrada enorme.
Ligia não sabe virar, quase dando direto no poste, subo pelo colo dela e agarro o volante.
"Tira o pé desse acelerador droga, não dá pra controlar assim.
nós tão juntas, não vendo os avisos de estrada em obras acabamos enfiando o carro em um buraco. agora não tem mais jeito, vamos ter que conversar com o

delegado
que conhecia todo mundo, a mim e ao Estéfano;
trêmulas eu e ela.
E o homem lá, sentado e nervoso "Eu exijo, mando que vocês digam porque fugiram quando mandamos parar."
"Além de tudo essa daqui é menor" Soldado apontando para Ligia.
"Então isso é problema pro Juizado, mas olha, quer saber? bota as bonecas na chave essa noite mesmo, não vou resolver porra nenhuma hoje. Amnhã de manhã eu ligo para o padrasto dessa Rogéria."
eu curiosa, assustada.
"Vem cá,Ligia, você tá com medo?."
ela chora, as bochechas vermelhas, é claro que ela está com medo
vem cá que eu cuido de você e nós deitamos juntas na esteira imunda. Na boca, um silêncio gelado.
até de manhã, quando nos pegam na cela e metem numa sala quase vazia e ficamos esperando qualquer coisa acontecer, num banco de aço comendo um pão horrivel.

Estéfano chegou batendo os pés, espalmar a mão na minha cara - primeira providência
bater nas mesas e Xingar a delegacia inteira, até liberarem Ligia também.
e caso encerrado.
Ligia canta em todo o trajeto de volta, Éstefano vai guardando a irritação até chegar na

casa
Ele abriu a porta do carro "SAI"
"Eu te odeio"
ele riu debochado
"Não interessa,tu roubou; e agora vai pagar."
Ele agarrou meu braço puxando pra fora do carro, sacudindo diante de si, meteu a mão entre meus cabelos e saiu arrastando.
Enquanto ele enfiava o joelho na minha barriga eu sentia o o velho ódio remexer.
"Você vê, que foi só essa garota vir pra cá, não faz três dias, olha a desgraça q ue essa puta me arruma."
e foi com lágrimas nos olhos que eu olhei pra ele e senti um molhado nos pés.
Estéfano cai devagar, com uma chave de fenda encravada na nuca.
"Deus meu"
"Eu não sou puta"
eu proucuro desesperada entender qualquer coisa
cá, pra mim, me abraça.
ela suja as mãos num sangue gelado e aperta as minhas
"E ele nem gemeu."
e ela vem pra me abraçar, pra ser só minha.

3 comentários:

Karina disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Karina disse...

Má,
Adoro muito esse conto!!!

Karina disse...

Marcelinha,
Saudade doida de você!